Nos últimos dias, circulou amplamente nas redes sociais uma alegação surpreendente: Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, estaria prestes a nomear o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro como embaixador americano no Brasil. Junto à suposta nomeação, também se espalhou a ideia de que Bolsonaro receberia cidadania americana e, com isso, teria “imunidade diplomática total, ampla e irrestrita”.
A proposta, à primeira vista, pode parecer plausível para alguns apoiadores mais entusiasmados. No entanto, uma análise mais cuidadosa, feita por especialistas e fontes jurídicas confiáveis, demonstra que essa história não passa de um boato sem fundamento legal. A seguir, entenda por que isso é impossível segundo as leis americanas e internacionais, e o que há por trás desse tipo de desinformação.
Nomeação de estrangeiros como embaixadores é proibida nos EUA
De acordo com a legislação dos Estados Unidos, apenas cidadãos americanos podem ser indicados para cargos diplomáticos. Ou seja, Trump não pode nomear Bolsonaro — que é brasileiro e não possui cidadania americana — para representar os EUA em qualquer país, muito menos no Brasil.
Além disso, qualquer nomeação para o posto de embaixador precisa ser aprovada pelo Senado norte-americano. O processo é rigoroso e envolve sabatinas, análise de currículo, histórico profissional e questões de segurança nacional. Mesmo que Trump quisesse indicar alguém de sua confiança, a Constituição e o sistema de freios e contrapesos impedem decisões unilaterais desse tipo.
Cidadania americana não pode ser “concedida” por um presidente
Outro ponto central no boato é a ideia de que Bolsonaro receberia a cidadania americana por meio de um decreto ou decisão direta de Trump. No entanto, o processo de naturalização nos EUA é completamente institucionalizado. Segundo o professor José Luiz Quadros de Magalhães, especialista em direito constitucional e internacional, nem no Brasil nem nos Estados Unidos os presidentes têm o poder de “dar” cidadania a alguém.
Para obter a cidadania dos EUA, um estrangeiro precisa passar por um longo processo, que inclui:
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Residência contínua no país por pelo menos três a cinco anos
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Estadia física de, no mínimo, 30 meses nos últimos cinco anos
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Demonstração de bom caráter moral (sem antecedentes criminais)
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Aprovação em testes de inglês e conhecimento sobre a história e o governo americano
Essas exigências tornam inviável a naturalização imediata de Bolsonaro, especialmente considerando que ele tem passagens e processos pendentes na Justiça brasileira.
Imunidade diplomática tem limites claros
Outro elemento enganoso na narrativa é a ideia de que, ao se tornar embaixador, Bolsonaro passaria a ter uma imunidade diplomática “total e irrestrita”, o que impediria qualquer tipo de responsabilização judicial. Segundo o professor Lucas Pereira Rezende, da UFMG, isso não corresponde à realidade do direito internacional.
A imunidade diplomática de um embaixador se restringe aos atos praticados no exercício da função diplomática e não cobre crimes comuns nem infrações cometidas anteriormente, sobretudo fora do território americano. “Ele não estaria imune a processos relacionados a atos cometidos durante seu mandato como presidente do Brasil”, explicou o professor.
Além disso, o país anfitrião — neste caso, o Brasil — pode recusar qualquer nomeação diplomática feita por outro governo. Ou seja, mesmo se Trump indicasse Bolsonaro como embaixador, o governo brasileiro teria o direito de rejeitar essa escolha, o que torna a especulação ainda mais irreal.
A origem do boato e os riscos da desinformação
O vídeo e as postagens que viralizaram com essas alegações fazem parte de uma estratégia recorrente de espalhar desinformação para mobilizar bases políticas e gerar engajamento. Usar figuras como Trump e Bolsonaro em narrativas fantasiosas é uma tática comum para criar sensação de apoio internacional ou proteção jurídica em meio a crises políticas.
A disseminação de informações falsas como essa é preocupante. Além de confundir a população, contribui para o enfraquecimento do debate público e gera desconfiança nas instituições. É essencial que os cidadãos estejam atentos às fontes das notícias que consomem e busquem sempre verificar os fatos antes de compartilhar qualquer conteúdo nas redes sociais.
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Conclusão
Não há qualquer possibilidade legal, constitucional ou diplomática de que Donald Trump nomeie Jair Bolsonaro como embaixador dos EUA no Brasil ou conceda a ele cidadania americana. O processo de naturalização é rigoroso, e a nomeação de embaixadores está submetida a diversas restrições legais e institucionais. A imunidade diplomática, por sua vez, é limitada e não impede que crimes sejam julgados pela Justiça competente.
Portanto, é fundamental filtrar conteúdos sensacionalistas e se informar com responsabilidade. Boatos como esse podem até render cliques, mas não resistem à verdade dos fatos.